"A Maior Flor do Mundo" / José Saramago

Ouch... esta doeu-me!


 

Doeu-me porque foi necessário receber este recado para perceber uma coisa muito importante: já escrevi duas histórias para crianças, tendo uma delas sido muito apreciada por alguém que eu considero muito e confio inteiramente! Doeu-me porque... ingenuamente fiquei à espera de que alguns letrados adultos  que por acaso trabalham em editoras, lessem a que eu considero ser a melhor história infantil, com o intuito de uma possível  edição e para que assim, fosse lida por crianças...
Só agora reparei no tamanho da minha estupidez!!! Então, será coerente eu estar à espera há muito mais de um ano (dois anos talvez, já nem sei) que as editoras ditas credenciadas, repletas de adultos letrados, se dignem a dar-me a prometida resposta no espaço de 'três meses' para uma história de crianças??? No way! No more!!! Se a história é para crianças... terá de ser lida por crianças, não é?! Os adultos não são para aqui chamados...

Ainda esta semana tinha pensado em enviar mensagem às ditas cujas para que não se sentissem 'pressionados' com o tempo de leitura porque a partir de agora teriam o resto da vida para "não a ler"! Agora está decidido: vou 'construir' e desenhar o meu livro, reproduzir numa gráfica qualquer que seja baratucha e vou oferece-lo às duas meninas para quem a escrevi, depois... a todas as outras crianças que a quiserem receber. Se houver adultos interessados... também aceito "encomendas"... o único euro, ou escudo angariado (logo se vê qual é a moeda futura da época), "reverterá a favor de uma qualquer Instituição de Solidariedade Social perto de si!" :-)

[Também a escrevi para Ti, também lá falo de Ti! Ainda a lês-Te, sorriste com ela... mas já não conseguiste entender que também falava de Ti. Ficaste feliz quando Te expliquei que também  'lá estavas'  e prometi-Te que em breve a voltarias a ler num papel mais brilhante, mais forte e com desenhos ainda mais bonitos... mas o tempo não me deu tempo... e nem imaginas como isso agora me dói!  É quase insuportável. Mas sabes?! No meu conto, continuas viva e igualmente amada e desejada pela menina da história! E sabes, Mãe?! Aqui 'deste lado', a  nossa menina da história continua a falar de Ti sempre que está comigo e quase chora de saudades - faz uma carinha tão triste de saudades tuas... nem imaginas. Mas no outro dia, consegui fazer com que sorrisse quando a adormeci a contar-lhe uma outra história da "Menina que Comia Formigas para ficar com os olhos mais bonitos"... ficou tão feliz quando lhe disse que a menina das formigas eras  mesmo Tu! :) Ainda Te amamos muito, Mãe! E acho que vai ser sempre assim...]

Bem, já tenho mais um 'trabalho inventado' e muito importante para ser feito mas antes, fico por aqui a contar uma das muitas histórias de Ti e que a meu ver ilustra muito bem o video que me 'acordou'!

"Como é que te chamas?"

A Curiosidade e o Desejo eram irmãos gémeos. Não eram gémeos verdadeiros uma vez que não eram iguais em nada mas gostavam de andar sempre juntos e quase nunca se separavam. Discordavam em quase tudo e zangavam-se tantas ou mais vezes como dias tem o ano. Faziam as pazes em todas as vezes que se sentiam zangados e até naquelas em que já não se lembravam se se tinham zangado ou não.

Naquele dia, o Desejo achou que a irmã estava muito triste e cabisbaixa e perguntou-lhe:
- Tás tiste puquê, mana?
- Não chei! Tou tiste puque chim! - respondeu ela acariciando a flor amarela e pequenina que teimava em furar a terra fina e arenosa.
- Mas a mamã diz que "puque sim" não é respota!
- Ai é respota é! Apeteche-me...
- Mas diz lá o que fizeram-te pa ficares tiste! - insistiu o menino.
Curiosidade olhou o irmão, esboçou na boca um beicinho magoado e disse:
- Tach a ver esta fulôre?
- Sim, puquê?
- Puque ela agola ta sóchinha, puque a minha amiga Inveja veio cá achima e levou todas as évas  que tavam aqui pâ putejêr a fulôre e ela achim fica com muito medo da noiti e com furio do vento do dia...
- Ahhh, poijé! Aqui há um furio assim muuuito gaaaande...! E uma noite muuuuito escuuula!!! Eu acho que  tamêm tinha meudo...
O menino ficou a pensar e perguntou à Curiosidade:
- E se eu fosse buscar a casa do Dog domir pâ putejêr a tua fulôre?
Curiosidade acenou com a cabeça em reprovação da ideia do irmão.
- Nã, nã! Não quelo que o Dog fique com o mechmo furio da minha fulôre... e com o meudo tamêm...
O menino olhou em volta tentando encontrar uma solução...
- Ahhh! Já sei!!! - gritou.
- Aiii! Sustaste-me chetupido! - disse Curiosidade com a mão no sítio do coração.
- Descupa, descupa... mas sagente levasse a tua fulôre pó pé daquela ávore gande  naquele monte achas quéla já não tinha mais meudos? E que ficava putejida? 
- Ficava, ficava muito! - disse a menina, saltando e pulando agradada com a ideia do irmão. Agarrou-se ao pescoço dele e caíram os dois enrolados em cima um do outro.
- Pára, pára! - disse o Desejo.
Curiosidade olhou em volta e num salto largou o irmão com uma expressão de aflição e com as mãos na boca.
- Vês, vês o que fijeste?!
- Eu??? Foste tu que penduraste no meu pescoço...! - disse ele defendendo-se.
- Fôche tu! Fôche tu! - disse curiosidade quase a chorar e a tentar endireitar a  pequena flor amarrotada que tinha dobrado ao peso dos corpos das duas crianças.
- Foste tu, pavalhona!!! 
- Não fui nada! Foche tu chetupido!
Enquanto discutiam veio uma rajada de vento forte e, com o mesmo pensamento os dois olharam para a pequenina flor com receio de que tivesse voado junto com o vento forte.
-Olha, olha! - apontou ele - ficou óta vez de pé!
Curiosidade sorriu de alegria, olhou o irmão e disse:
- Não vamos tar mais jangados, tá bem?! Vamos lá pôr a fulôre putejida no pé da ávore, tá bem?! Achas que ela fica gande, muito gande???
- Bora, bora já! Tenho meudo que amanhã o vento leve ela embóa e depois ficamos tistes...

Num pedaço de terra mais fofa junto da árvore do monte, Desejo, espetou o dedo indicador e fez um pequeno buraco. Curiosidade, plantou a flor amarela com muito cuidado, aconchegaram as sobras de terra para junto do caule e endireitaram-lhe as pétalas uma por uma. Levantaram-se e ficaram a olhar para a flor, achando que naquele sítio ela estava bem protegida.
- Agoua não sais daí, ouviste? - disse o pequeno falando para a flor - Agoua já não tás sozinha! Se sais o vento leva-te pa um sítio de muito furio! Fazes de conta que a ávore é tua mãe pa ela putejer-te... 
- E não pareche que tá ao colinho da ávore? - perguntou a menina.
- Sim, sim! E ópois nós tazemos água pa ela beber...
- E o que é a comida pa ela? Achas que os bolinhos do Dog ela gosta?
- Eh eh eh câ vugonha... não sabes quela não tem boca nem dentolas como tu...??? 
- E eu não tenho dentolas, ó chetupido! - retorquiu a menina zangada e dando uma palmada nas costas do irmão.
- Não batas-me ó pavalhona! Cuidado com a tua fulôre...!


Naquelas semanas e meses que se seguiram, o Desejo e a Curiosidade, visitavam a flor todos os dias depois de voltarem da escola. Muitas foram as vezes em que nos dias mais secos e quentes guardaram a água das garrafinhas das suas mochilas para poderem dividir com a flor no final do dia. Nessa altura, Curiosidade já sabia que o melhor alimento era o Sol e ficava feliz por ver como a árvore protegia a sua flor amarela, dando-lhe sombra e abraçando-a para que o vento não a levasse.

A flor não parava de crescer e já tinha alcançado a altura dos primeiros ramos da árvore. Em tão pouco tempo nem parecia a mesma flor pequenina e enfezada, perdida e abandonada à sua sorte no meio do vento. Agora, já os meninos se deitavam cansados das brincadeiras e correrias no monte da árvore e, muitas eram as vezes em que adormeciam aconchegados debaixo das folhas largas e verdejantes da vivaz e radiosa flor amarela. Todos na aldeia tinham curiosidade em ver a enorme flor que duas crianças tão pequenas tinham  conseguido plantar e fazer crescer. Corria até o boato de que a flor falava com os meninos. Por esse motivo, a Inveja, antiga amiga de Curiosidade, decidiu seguir os dois meninos num fim de escola de sexta-feira para poder ir espreitar e ouvir se eles conversavam realmente.
Ao chegar ao monte da árvore, escondeu-se e ficou a observar as habituais correrias e brincadeiras dos gémeos. Naquele dia tinham escolhido jogar às escondidas e Curiosidade no meio de uma procura de esconderijo, descobriu Inveja agachada atrás de um arbusto na parte de trás da árvore.
- O que tas aqui a fajer, Inveja???
- Vim ver se a tua flor fala mesmo como dizem lá na aldeia...
O gémeo soltou uma gargalhada mas Curiosidade estava muito zangada com Inveja por causa do que ela tinha feito à sua flor.
- Vai-te emboua pavalhona chetupida! Por tua casa a minha fulôre ía morrendo! Va-te emboua já! - gritou Curiosidade.
- A Inveja pode ir embora mas primeiro vai ter de perguntar à flor o nome dela! Não dizem que a vossa flor fala? Então... a Inveja vai levar a resposta! - ripostou o pai dos gémeos dobrando o redondo do monte com a mãe.
Inveja gaguejou sem saber o que dizer:
- Haaa... deve ser mentira... as pessoas é que dizem... também não sei o que devia perguntar... ! - ripostou Inveja bastante envergonhada.
- Podes começar por lhe perguntar o nome, por exemplo! - disse o pai - Vá pergunta-lhe! - insistiu.
Inveja muito constrangida balbuciou na direcção da flor:
- Como é que te chamas?
- AMOR! - respondeu a 'flor'.

Afinal, Inveja teria de dizer à aldeia de que a flor realmente falava. Falava, através das vozes dos gémeos que a acolheram e cuidaram, do sussurrar dos ramos da mãe-árvore que a adoptou, abraçou e protegeu e, dos pais da Curiosidade e do Desejo que tinham acreditado desde o primeiro minuto que qualquer gota de amor é o maior alimento.  


                                                                                                                                      21.06.2011
                                                                                                                                   Alda Silvestre





Errata: Todas as palavras mal escritas são apenas 'lembretes' de como é bom ser criança. 
             Todas as palavras bem escritas... não servem rigorosamente para nada se não soubermos sentir como elas.

Coincidências: Sem ter programado acabei de escrever uma 'homenagem' ao Verão :)


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