"O Beijo da Mulher Aranha"

 

                                                                                                     Photo by Pedro Macedo


Um murro no estômago! Um murro de humanidade!

Que bom quando a arte nos acorda e nos deixa alerta para tantas das vivências e monotonias diárias que nos deixam mornos e a deambular por aí sem sentido.

Que grande lição para sabermos olhar com olhos de ver e, entender o “ombro do outro”. Empatia Precisa-se!

 

Até 05 de Junho estará em cena na Sala Estúdio do Teatro da Trindade Inatel “O Beijo da Mulher Aranha” de Manuel Puig, com encenação de Hélder Gamboa e interpretação de João Jesus e Diogo Mesquita.

De Quarta a Domingo às 19.00h / M18

 

“Numa prisão, sob um regime ditatorial, uma cela com dois prisioneiros. Molina, um homossexual  com um lado feminino intenso, é colocado pelo diretor da cadeia numa cela com Valentín, um guerrilheiro e preso político, esperando, desta forma, obter informações sobre as atividades revolucionárias.

Apesar das suas diferenças, o universo de fantasia de um e o sofrimento físico do outro acabam por aproximá-los e, contra todas as expectativas, ​ desenvolvem uma cúmplice amizade, que nos dará uma profunda dimensão do que é o Ser Humano.

A famosa obra de Puig teve várias adaptações, um pouco por todo o mundo, incluindo um musical na Broadway. A adaptação ao cinema, em 1985, valeu a William Hurt várias distinções, incluindo o Óscar de Melhor Ator.”

    Photos by Filipe Ferreira


 



Nunca nada é linear, especialmente nas relações humanas. Não vale a pena programar ou manipular o instinto e a essência do universo interior de cada ser humano. É isso mesmo que esta peça nos mostra e nos convida a viajar por mundos alheios ao nosso quotidiano mas que ambiguamente, em sentimentos, se assemelham a tantos de nós. Existem sempre valores, crenças e acontecimentos que nos deixam à prova e nos obrigam a mostrar o verdadeiro carácter sem filtros, ainda que até a nós mesmos essas atitudes consigam surpreender.

Entre a descrição pormenorizada de um filme feita por Molina e a curiosidade crescente de Valentín, desenrolam-se em catadupa um sem número de atitudes por parte das duas personagens que nos dão a conhecer a vida e os valores de cada um deles, embora sejam como polos totalmente opostos. No entanto, numa fase de maior fragilidade e em que o corpo consegue humilhar a mente, o cuidado e carinho mútuos acabam por emergir como escudo de protecção de ambos, até ao fim e, independentemente de tudo o que possa acontecer.

    Photo by Filipe Ferreira


“- Mudar o mundo… não podes mudar o mundo!”

“- Sim, sim, posso!”

“- Lantejoulas são bocadinhos de vidro que não valem nada!”

“- Eu choro quando me apetece!”

“- Uma mulher está sempre fodida…”

“- Que vergonha… é preciso ser Homem…”

“- Confias em mim, não confias?!”

“- Não devemos agarrar-nos demasiado a ninguém.”

“- Uma pessoa pode apegar-se a um amigo!”

“- Tenho medo porque estou doente.”

“- Quando os companheiros vão embora eles sentem-se desamparados…”

“- A minha mãe… ela gosta de mim assim!”

“- O sexo é inocência pura!”

“- Será justo eu ficar sempre sem nada…?!”

“- Nós as mulheres com defeito acabamos sempre mal.”

“ - Não vivo o presente porque vivo em função da luta política.”

“- Pra se ser mulher não é preciso ser mártir!”

“- Um sonho curto mas feliz.”

                                                                                                     Photo by Alda Silvestre


Numa postura sempre exímia, Molina é a representação de fragilidade, determinação, força, cuidado e carinho em formato de uma “mão-aranha” que alcança e percorre o corpo de Valentín, abraçando-lhe o coração e a mente até ao depois da sua existência.

 

Parabéns João Jesus!

Parabéns Diogo Mesquita!

Parabéns Hélder Gamboa!

Bravo a toda a Equipa!!!

Gratidão Manuel Puig… onde quer que esteja…!

    Photo by Filipe Ferreira



Ficha Técnica e Artística

De Manuel Puig

Encenação Hélder Gamboa

Com João Jesus e Diogo Mesquita

Participação André Ramos

Desenho de Luz Paulo Graça

Cenografia e Figurinos Rui Filipe Lopes

Música Luís Pinto Lucena

Participação Vídeo José Raposo

Assistente de Encenação Ângela Pinto

Versão Portuguesa/Dramaturgia Ângela Pinto e Hélder Gamboa

Assistente de Produção Mafalda Gonçalves

Estagiário Assistente de Encenação Pedro Barbosa

Produção Executiva Miguel Manaças

Coprodução Teatro da Trindade Inatel, Tenda Produções

                                                                                                    Photo by Filipe Ferreira

 

                                                                                                     Photo by Alda Silvestre


Agradecimentos pessoais:

O meu sincero obrigado a toda a equipa do Teatro da Trindade Inatel pela forma calorosa como me receberam, ao Diogo Infante pela simpatia e, ao Hélder Gamboa e ao João Jesus pelo tempo e atenção dispensadas para responderem às minhas curiosidades.

 

Entrevista ao Hélder Gamboa:

 

- Porquê a escolha d' "O Beijo da Mulher Aranha"? 

Este texto veio parar às minhas mãos, através de um convite feito pelo diretor do Teatro da Trindade (Diogo Infante) à Tenda Produções para a apresentar neste teatro maravilhoso e estas temáticas de cariz social e interventivo sempre me interessaram. Este foi o segundo desafio feito pelo Diogo. Em 2019 apresentámos o espetáculo Boa Noite Mãe de Marsha Norman com as atrizes Ângela Pinto e Sylvie Dias e encenação minha.

 

- O que mais o desafiou na encenação?

Este texto é de 1976 e passados estes anos todos, o tema ainda está muito atual, percebi ainda antes de começar os ensaios que ainda hoje o tema é fraturante, mas não quis focar-me apenas nisso. Na encenação tenho dois homens presos com pouco espaço e quis dar ao público a sensação de que estava dentro da cela como um voyeur, para sentir na pele o que o Valentín e o Molina sentiam.

 

- Quanto tempo foi necessário para concluir o que pretendia?

As primeiras conversas com os atores, começaram há mais de seis meses. Mas pelo meio a Tenda estreou outro espetáculo (O Freud Explica) que ainda está em cena no Teatro Armando Cortez, o que me fez criar uma pausa em termos criativos, mas estive sempre em contacto com os atores e trabalhando por telefone. O processo de ensaios começou no dia 1 de março e trabalhámos de segunda a sábado das 15 às 23 horas.

 

- Pode contar-me um episódio divertido/caricato de algo "diferente" que tenha acontecido durante o processo?

Todos os dias durante os ensaios, houve muitas histórias contadas por todos, a equipa criativa e atores esteve sempre com boa disposição, e neste processo aconteceu muitas vezes que após terminarem os ensaios ficávamos pela noite dentro à conversa na porta do teatro ou terminávamos o dia com um bom repasto.

 

- Como se sente agora que terminou a tarefa principal e está na véspera da estreia?

Neste momento o espetáculo está na mão de dois bons atores. A mensagem que lhes passei, foi que todos os dias há um novo público que eles têm de conquistar. O resultado final deixa-me muito feliz e estou muito confiante com a temporada que vamos iniciar no Teatro da Trindade. Vamos tentar chegar a vários teatros deste país, já que achamos na Tenda que esta deve ser uma das nossas funções, levar cultura a todo o pais.

 

Entrevista ao João Jesus:

 

- Qual foi a tua primeira reacção quando o Hélder Gamboa te convidou para seres o Molina?

O primeiro contacto que tive foi por parte do Diogo Infante que me deu a conhecer o projecto  e me explicou tudo acerca da personagem. 

Li o texto e fiquei maravilhado.

Logo de seguida falei com a Ângela Pinto e com o Hélder Gamboa e falámos durante vários dias até nos encontrarmos.

 

- Foi difícil vestir a pele da personagem?

Foi muito difícil mas sem dificuldade nada vale a pena. 

É um trabalho de composição que tem de ser sustentado com uma grande verdade. 

Construir a Molina exigiu muita entrega e principalmente não ter receio da exposição que temos em palco. 

O texto está muito bem construído e oferece-nos uma data de caminhos e a grande dificuldade foi escolhê-los com a máxima coerência.  

 

- Sentimentos e/ou ensinamentos que tenhas descoberto com esta interpretação?

Não é por ser homem que não posso andar com as unhas pintadas ou com uma saia. 

Temos de parar de pensar só em nós, no nosso mundo, nas coisas que conhecemos e que nos são confortáveis. A curiosidade sem malícia é bem vinda. Querermos conhecer melhor o outro é uma dádiva. 

Eu não faço mal a ninguém por andar com as unhas pintas, contudo , sinto que não sou bem vindo. 

De vez em quando é necessário vestirmos a pele para percebermos o que anda à nossa volta, e é assustador. 

 

- Como foi contracenar com o Diogo Mesquita? E dirigido pelo Hélder Gamboa?

O Diogo Mesquita é uma excelente pessoa. Muito cuidadoso, amoroso e um excelente profissional. 

Acho que temos um grande trabalho em mãos e isso deve-se ao grande ambiente que vivemos durante os ensaios, fomos e somos uma equipa maravilhosa.

Está a ser um privilégio conhecer o Hélder Gamboa, que confiou em nós desde o primeiro minuto e nunca nos largou. 

Resta-me parabenizar os dois pelo excelente trabalho que fazem.  

 

 

- Deduzo que estejas com mais do que um trabalho em curso. Podes descrever-me um dos teus dias desde manhã até à hora de fim do ensaio e que te tenha acontecido uma cena divertida/disparatada ou caricata que queiras partilhar?

(A razão desta pergunta prende-se com o facto de desmistificar um pouco a vossa vida de actores e mostrar o quão difícil e o quanto têm de "roubar" a vocês mesmos para nos oferecerem este grau de qualidade na arte)

 

 Eu tinha prometido a mim mesmo que não ia conciliar com nenhum outro projecto mas felizmente não foi possível. 

Durante os ensaios estive a fazer uma série para a OPTO  e agora em maio vou entrar num filme para a RTP.

Tive dias durante os ensaios em que entrava no teatro às 15h00 saía às 19h00, ia para as gravações da série até 4h00 ou entrava  na série de manhã e saía do teatro às 23h00. Horários rotativos. Faz parte e só tenho de estar contente por isso, por poder estar a fazer o que amo. 

Tive algumas situações caricatas e um tanto assustadoras. A primeira abordagem que tive foi , “Então o que é que tens nas unhas?” Pintei , estão pretas (fiz de propósito e não referi que era para o espectáculo). “Mas estás com alguma doença? “ Não, não; pintei, apeteceu-me. 

“Ah! É para as gravações, alguma novela?” 

Não, apeteceu-me pintar. 

“Ah”.

Depois outra em que disseram “atenção que ele está com as unhas pintadas mas tem namorada! E é para o espectáculo de teatro”.

“Ah estava a ver, era um desperdício”. 

“Não não, ele tem namorada”. 

“Ah, estava a ver”.

 

***

 

Pegando nesta última frase “Ah, estava a ver…” e associando à mensagem emocional que a peça passa, gostaria que pensassem antes – “Ah, estou a ver… mas ainda ando aqui a aprender quase tudo de novo… um pouco todos os dias.”



Teatro da Trindade Inatel

Tenda Produções

João Jesus

Diogo Mesquita

André Ramos

Hélder Gamboa

Ângela Pinto

José Raposo

Diogo Infante


*Leitura programada para ecrã inteiro*

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