Começo a sentir pena do Pai Natal - já deve estar tão cansado e tão farto de nós...
"Neste Natal vamos ajudar"
"Neste Natal seja solidário"
"Faça uma criança sorrir e contribua..."
"Diminua a dor dos que sofrem..."
"... e não esqueça o requinte de uma mesa de Natal adornada com..." - todos estes slogans são sempre tão familiares ao longo de décadas e gerações em todos os Natais que, por vezes me interrogo:
- E então? O que é que acontece àqueles que não têm, não podem ou não querem fazer nada disto só para ficarem bonitos na fotografia do dia em que nasceu o Menino Jesus e que preferem preservar a saúde do Pai Natal?
Ah, sim! É verdade - esses vão todos parar ao quentinho do inferno - e há Natais em que dá muito jeito porque está um frio de rachar...!
Há dias em que gosto mais do Menino Jesus que decide apenas ser rebelde e disparatado ao invés daqueles dias em que está a cumprir as tarefas que todos esperam dele.
* .*
"Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
(...) Depois fugiu para o Sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água.
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça.
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
(...) Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou - (...)
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
(...) Ele é a Eterna Criança o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
(...) Depois ele adormece e eu deito-o.
(...) Ele dorme dentro da minha alma
(...) E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
(...) Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?"
*.*
Alberto Caeiro in O Guardador de Rebanhos
Gostava muito que algumas pessoas tivessem a coragem de fazer e dizer:
"Neste Natal não faço nada mais além do que o meu coração disser, serei o mais egoísta que conseguir e vou guardar a felicidade toda só para mim!" Talvez desta forma não houvesse tanta hipocrisia nesta altura do ano...
No dia 25 de Dezembro de há quatro anos atrás, para iniciar um novo percurso de vida e porque a minha mãe e o Menino Jesus "combinaram" fazer-me uma partida, fiz um presépio muito especial na minha mesa de cabeceira com o anjinho da minha avó e o menino Jesus da história da minha mãe... pelo meio de livros e autores da minha eleição. Ainda não o desfiz! O motivo não é porque tenho medo de esquecer. É porque todos os dias preciso relembrar que o caminho é em frente e que afinal, o Natal não é só um dia no ano inteiro e quanto maior for a quantidade de "felicidade armazenada" por cada um de nós, maior será a probabilidade de ser distribuída e de ser deixada disponível à mercê de quem mais dela precisa. Ou não fosse o Homem o ser que mais depressa se farta e que mais se distrai em usufruir do melhor que a vida lhe dá...
De há alguns anos a esta parte sou uma forte candidata ao quentinho do inferno... porque nem ajudo, nem sou solidária, nem contribuo... nem preparo mesas com requinte... ou porque estou a trabalhar ou, porque não me deixam ou ainda, porque estou muito ocupada a "reconstruir-me", a ser egoísta e "a guardar a felicidade toda" só para mim.
Foi num desses ataques de egoísmo que, por mero acaso encontrei e, por natural descaramento me aproximei dos meus Meninos do Coro da Igreja da terra natal da minha Mãe.
Tudo começou a 25 de Dezembro de 2009 quando, dentro daquela Igreja tão familiar - durante tantos anos decorada com os arranjos florais aprimorados da minha avó - tremi de frio e de dor porque quis o destino (e a minha mãe também!) que fosse ali o penúltimo sítio onde iria poder dizer-lhe "adeus mãe... até logo... dá um beijo por mim no teu querido Menino Jesus".
Pouco importará para o caso a forma como vivo e sinto a religião que desde muito cedo me foi ensinada, que moldei e adaptei de forma confortável, digamos, aos valores em que acredito e pelos quais me conduzo. A minha história com esta Igreja já é muito grande em "despedidas" mas, também é enorme em boas memórias de jovem adolescente quando lá ía passar as férias de Verão e que saía da missa com uma enorme dor de barriga por tanto rir com as minhas amigas dos disparates que inventávamos no momento por tudo e por nada, de tudo e de todos e, de uma senhora muito engraçada que cantava devota e com elevado fervor: "Jásuuuu, Jásuuuu... Teu nome é Jásuuu!" - era "deliciosa" a senhora e ainda hoje consigo recordar-lhe o som da voz... nunca eu imaginei que a minha mãe iria escolher o dia do Menino Jásuuuu... para me deixar aqui a morrer de saudades dela.
Primeiro foi a missa ao fim de três meses, depois... "deixa estar mais um tempinho" - era uma forma de eu estar mais perto da família, das amigas da minha mãe... e das minhas também. Depois... caíram-me lá os passarinhos do Menino Jesus a cantar e a divertirem-me uma vez por mês - deve ter sido Ela que mos enviou de presente porque adorava ir à missa e estava a ver que eu já andava a ficar um pouco entediada. Agora, confesso que por causa deles já me custa deixar de ser uma beata do Menino Jásuuuu :-)
Não rezo nada de jeito (a minha mãe bem sabe e sempre me desculpou porque nunca gostei de rezar) mas, o certo é que volto de lá sempre cheia de boas energias, cheia de felicidade deles e com mais qualquer coisa de novo para sonhar e projectar fazer. É quase tão bom como ir ao teatro...! E com os meus passarinhos, é quase quase tão bom como ir a um concerto de música!!!
Bem... voltando ao que interessa, na verdade, o que realmente importa é a felicidade e a esperança que meninos e jovens como estes depositam na vida de muitos que tanto dela precisam. E quando vos disserem "a juventude está perdida!", não acreditem porque não é um mal geral!
Admiro-lhes a dedicação, o amor e o empenho com que se entregam no coro da Igreja da paróquia onde pertencem.
Foi por tanta admiração que no ano passado, por estes dias, me desloquei propositadamente ao salão da Cabeça Gorda, concelho de Torres Vedras, cujo espaço estava totalmente ocupado e cheio de gente com um espectáculo de mais de uma hora todo feito e organizado pelos meus meninos do coro - sim meus, porque os adoptei desde o primeiro dia em que me apareceram nas "missas da minha mãe" caídos ainda não sei bem de onde.
Sim! Em cada Sexta-Feira de cantorias no coro da Igreja irradiam alegria e transpiram vida por todos os poros - parecem mesmo aqueles passarinhos saltitantes e que fogem a voar à velocidade da luz à nossa frente quando nos aproximamos.
E sim! Comecei e devo-lhes este post há um ano! Um ano imaginem...! Não tiveram muita sorte com a jornalista - devo ser a profissional mais atrasada do globo terrestre e arredores! ;-)
Primeiro, porque pareço o coelho do relógio da Alice no País das Maravilhas - sempre atrasada! Depois, faltavam-me os nomes e autorizações deles e dos pais para publicar o evento... e pronto, é assim que passa a vida e o tempo... mas como diz o antigo mas certo ditado popular: "mais vale tarde do que nunca!"
O melhor desta história toda é que de mim, os passarinhos já não fogem. Pelo contrário! Fico tão feliz quando saio a porta da Igreja e os vejo à minha volta a fazerem perguntas com aqueles olhitos arregalados de vida e de sorrisos verdadeiros de quem é simplesmente feliz! Obviamente lá devem ter os problemas e desencantos da vida de cada um deles... alguns talvez até tão grandes como os de gente crescida..., mas ainda sabem ser felizes e ainda sabem sonhar!
Tenho aprendido muito com eles e saio de lá sempre com um sorriso na alma apesar da tristeza do motivo que me fez (re)começar a ir à missa depois de tantos anos.
Certo é que voltei impressionada com o espectáculo do ano passado! E temos futuros Artistas!!!
- Os apresentadores - a Isa (mentora do projecto, organizadora, maestrina, cantora, etc, etc, etc) e o Daniel pareciam verdadeiros profissionais de TV. Lindos e com tudo muito bem programado e escrito na apresentação das musicas e dos respectivos intérpretes.
- A Beatriz, que toca orgão, viola, canta, etc, etc, etc.
- A Verónica além de cantar também esteve a cargo da mesa de música, do sorteio muito bem disposto e divertido de presentes ao público, etc, etc, etc.
- Depois, mas não menos importantes, todos os outros elementos do grupo fizeram o seu melhor em todas as áreas e canções que lhes estavam estipuladas. Alguns deles arrepiaram-me e emocionaram-me com a atitude, determinação e qualidade! Passei o tempo todo a pensar: tão novinhos e tão fortes e determinados; tão bom ver a arte a fervilhar dentro deles e a revelar-se de uma forma tão bonita; talvez ainda seja possível o nosso futuro ser risonho com meninos e jovens assim... mas temos de lhes dar algo em troca - condições culturais por exemplo...! E, infelizmente, é coisa que os nossos (des)governantes querem tornar numa missão quase impossível...!
- Por fim, tem uma menina mais pequenina e que é irmã de uma outra menina das que fazem parte do coro mas, que entra e sai do grupo a toda a hora e minuto, que imita a irmã de livro na mão e cheia de convicção e com a qual me identifico e revejo naquela idade por ser tão irrequieta e porque distrai tudo e todos à sua volta! :-)
Admiro de verdade a Isa Santos (não menosprezando todos os outros!) uma vez que ficou responsável pelo projecto aos 17 anos e tem crescido e feito crescer emocional e profissionalmente todos aqueles passarinhos sempre a chilrear à sua volta. Há pelo menos dois anos que deve ser difícil manter a ordem com tanta alegria esfuziante a saltitar. No entanto, parece conseguir levar o barco a muito bom porto de uma forma suave, ambiguamente autoritária e, com normas necessárias que vai polvilhando com a sua doçura natural.
O curioso é que conseguem ter umas músicas e canções tão animadas que frequentemente dou comigo a levantar as mãos lançada para bater palmas no final de cada música porque me esqueço que estou numa missa ainda das de antigamente e não num concerto. No entanto, já por algumas vezes o próprio padre pediu palmas para eles e aí faço a vontade à minha força, sorridente e feliz como os meus passarinhos e com o mesmo fervor da senhora que cantava o Jásuuuu!
Estou a pensar seriamente em ir a Roma visitar uns amigos, aproveitar a deslocação e... ir pedir ao Papa Francisco para autorizar a transformação das missas em "Missartes" (junção de missas + artes)! Penso que Sua Excelência era bem capaz de gostar da ideia e peremptoriamente não autorizar que os outros padres me prendessem ou internassem por blasfémia ou insanidade mental! :-)
São estas as fotos dos meus Meninos do Coro da Cabeça Gorda.
Peço desculpa pela pouca qualidade das fotos mas é o que a minha máquina permite em ambientes de pouca luz e, nem o Ministério da Cultura nem a Merkel me passaram ainda a autorização para mudar o meu material de documentário "foto-video-jornalístico". Continuo à espera do "deferimento"... ;-)
E, como podem constatar pela foto, independentemente do que quer que se acredite, dos caminhos que se optem, ou dos problemas que nos assolem, o mais importante na vida é mesmo a felicidade que se escolhe para nos fazer sorrir desta forma.
O meu muito obrigado a todos por me terem convidado e deixado fazer parte da vossa alegria! :-)