Numa primeira leitura e para quem
não sabe ou ainda não conhece, pode parecer que estou apenas a identificar o
nome de um interruptor inserido num painel eléctrico. Mas não! De todo! Estou a
tentar falar de uma pessoa, de um actor, de uma vida – afinal, existimos todos
numa alternância de “on and off” – são muitas as vezes em que na verdade, mais
parecemos um painel de luzes dum quadro eléctrico em curto-circuito, para
conseguirmos aceder a todas as solicitações existenciais.
É na verdade, uma tarefa muito
difícil para mim falar do Ivo. Tão difícil que ando sensivelmente há ano e meio
para o fazer. É muito tempo?! Nem por isso – por vezes o tempo pode ser apenas
uma palavra sem medida. A verdade é que me fica sempre complicado falar da vida
de alguém como o Ivo Canelas que tanto tem de versátil, carismática e
internacional, como de aparentemente linear, simples e que consegue passar-nos
a sensação de que tudo é tão fácil e natural de se fazer na representação.
Além disso esta é a “minha
entrevista”, conseguida por meu próprio mérito - em “slow motion” - e agora faço
com ela o que eu quiser e quando eu quiser… sem ponteiros acusadores ou
direccionados para o relógio dos meus limites (desde que o Ivo me autorize a
deixar escrito este meu novo “desenho de palavras” da forma que nem eu mesma
sei como vai sair).
Aqui vou eu então começar a
viagem na montanha russa ou comboio fantasma:
Talvez por há muito tempo ser
alguém tão próximo através de coincidências geográficas e de calendário, bem
como ao mesmo tempo tão distante, que já rabisquei em várias folhas perdidas e
gastas, dezenas de palavras sobre a sua pessoa e o seu trabalho, para começar
esta entrevista de carácter informal feita a 29.04.2015. Sim! Foi a Vinte e
Nove de Abril de Dois Mil e Quinze – fica assim escrito como se faz nas
escrituras notariais - para que não fiquem dúvidas de que assumo publicamente
ser a pior candidata a “entrevistadora”, especialmente quando são pessoas com
um percurso artístico que tanto admiro e com quem me sinto mais confortável,
seja por questões de amizade ou conhecimento de longa data. Estava de tal forma
familiarizada com a sua pessoa que este “tinha de ser um daqueles meus eventos”
que estão destinados a correr menos bem, digamos assim – os amigos que me
estiverem a ler sabem bem do que falo e da minha tendência natural para o
disparate.
Foi portanto, naquele famoso dia
29 de Abril que deixei o Ivo “só” meia hora à minha espera – acabou por ter de
almoçar sozinho, à sombra das árvores e a ver peixinhos gigantes numa parede em
frente (isto não se faz mesmo a ninguém!) – andei perdida na zona do Restelo,
sem GPS, enganada por um polícia com uma indicação errada e, obrigada a fazer
uma corrida de
fitness (deve ter sido
castigo do “pequeno/grande
Velho do
Restelo” que há em mim!). Quando finalmente cheguei ao destino prometido,
tenho a certeza de que lhe ficou a convicção do desastre ambulante da
entrevistadora a quem se tinha atrevido a conceder algum do seu pouco e
precioso tempo. E pronto! Fora o disparate seguinte do “café sem chávena”, com
risos inevitáveis pelo meio e eu, com a induzida “duvideza” (junção de dúvida
com certeza) de que a conversa informal já não me estava a correr muito bem… lá
acalmei ao mesmo tempo que inspirava e aspirava todo o ar ao meu redor para
oxigenação cerebral e assim, poder começar condignamente a debitar curiosidades
que há muito gostava de ter esclarecidas.
Para algumas gerações falar de
Ivo Canelas, é relembrar o
Joca da série televisiva
OFura Vidas, onde contracenava
com o grande
Miguel Guilherme, o
saudoso
Canto e Castro entre tantos
outros actores aos quais nunca poderemos comparar ou quantificar a qualidade do
seu trabalho. Foi na verdade, com esta série que teve o primeiro impacto com o
facto de se ver numa posição de “figura pública” e reconhecida. Desde essa
altura até agora são inúmeros os projectos nacionais e internacionais em que
tem participado nas várias vertentes da representação.
No entanto, para mim, é sempre
uma curiosidade superior, saber como nasce e como surge o primeiro “click” de
qualquer tipo de arte na vida de alguém. Quando pergunto o que se sente e como
é ser ainda tão novo e ver-se a fazer parte de um projecto que não o deixou
passar anónimo pelo pequeno ecrã, responde firmemente que, “é preciso ter uma base e uma estrutura interior muito fortes e de uma
forma bem definida para aguentar o facto de ser constantemente invadido no seu
eu”. Impressionou-me deveras a forma como ao falar naturalmente, deixou um
recado tão simples mas tão importante e incisivo, às actuais e às vindouras
gerações de actores e que não posso deixar de salientar e relembrar:
- “Tão depressa és tudo como és nada! Há que não perder o teu ‘eu’, nem
se dissociar daquilo que és, que queres e que tens como objectivos para a tua
vida”.
Se pensarmos bem, afinal, estes
valores aplicam-se a todos nós, em qualquer profissão ou situação social. É
talvez por ter este lema de vida tão bem estruturado e vivido que, apesar do
seu enorme e já longo percurso, se tem conseguido manter numa ambiguidade
profissional que tanto o mantém um ilustre anónimo discreto, como um actor
conhecido e reconhecido com uma enorme versatilidade e carisma. Pode parecer
estranho mas é verdade que não foram poucas as vezes que falei do Ivo e foram
raras as pessoas que à primeira conseguiram associar o nome ao actor e/ou a uma
personagem. Precisam de ir pesquisar primeiro e só depois exclamam um grande
“Ahhhhh… já sei quem é!!!”
À data desta nossa conversa
estava a saír um projecto com co-produção do Brasil, Italia e Portugal –
Estrada 47 – filmado em Itália,
dirigido por
Vicente Ferraz e no qual
personifica um dos milhares de soldados brasileiros que combateram na II Guerra
Mundial ao lado das Forças Aliadas, em condições adversas e, onde soldados
habituados ao calor se vêm confrontados com as diferenças climatéricas de um
país totalmente diferente do seu. Ficam em causa as suas vidas e a forma como
sobrevivem ao mesmo tempo que defendem uma “terra de ninguém”, sendo obrigados
a ajudar a desminar um campo de minas, enfrentar o inimigo e o sofrimento
sobre-humano que lhes é infligido. São inevitavelmente postos à prova como
soldados e principalmente como seres humanos. Muito interessante a forma como
nos “identificamos e reconhecemos” em situações limite…! Acima de tudo é mais
uma realidade histórica da época que muita gente desconhece, bem como uma outra
maneira de olhar e ver a forma de fazer cinema destes três países.
Ao perguntar que tipo de projecto
mais o alicia, responde que gosta de fazer qualquer coisa desde que seja bom e
que goste – sem complexos, menosprezos ou depreciação. Não importa se são
séries, filmes, teatro, novelas, etc. Apenas faz mais filmes porque lhe têm
aparecido mais projectos nessa área. De qualquer forma assegura de que não é
fácil andar sempre a correr de um lado para o outro, saltar de país em país,
não poder estabilizar nem assentar raízes. Talvez seja por este motivo que um
dia disse numa entrevista a um magazine de um jornal, que já lhe tinha passado
pela cabeça deixar de ser actor (algo deste género). Logo que me foi possível,
enviei-lhe uma mensagem tipo telegrama a dizer, “acabei de ler o magazine -stop
– vou matar-te se deixares de ser actor!!! – stop”.
Ao ouvir o “outro lado” da sua
história de vida, relembrei também de uma reportagem televisiva longínqua onde
o Ivo disse uma frase/expressão que me marcou deveras na altura por motivos
pessoais, que eu não conhecia mas que me gravou um sorriso no rosto e no
coração de tão verdadeira que é, seja lá quais forem os deuses, anjos e santos
protectores de cada um. Talvez por isso nunca mais a esqueci – “Deus ri-se dos
nossos planos!” E deve rir-se bastante mesmo porque nessa altura ainda eu nem
sequer imaginava que o “bonequinho falante do ecrã” da minha casa, seria agora
o meu “entrevistado”.
Deve ser mesmo verdade que há um
“Sininho” qualquer dentro de cada um de nós a obrigar-nos a tomar decisões
importantes que nos fazem crer sermos donos e senhores da nossa própria vontade
e, quando nos apercebemos, ao corrermos ao sabor das nossas opções e dos nossos
sonhos, somos direccionados quase sempre para o sítio do “nunca imaginei” ou do
“quem diria”. E é assim que vivemos constantemente - em “On and Off”. E foi assim também que o actor encontrou a sua forma
de terminar o Conservatório Nacional num passado recente, pelo meio de tantos
trabalhos, sendo dono de tantas decisões pessoais e profissionais.
Retomando a minha curiosidade
pelo “princípio do início”, confessou que tudo começa no teatrinho da escola
primária – sim, na 4ª. Classe. Será caso para dizer agora, como é que uma fase
tão primária pode ser tão decisiva na vida de uma criança…?! Mas é mesmo! Portanto,
cuidado com as nossas crianças – as verdadeiramente pequenas e aquelas que
ainda estão escondidas num qualquer canto de nós…!
O seu primeiro contacto com o
público foi nas apresentações dos espectáculos do Conservatório mas o
verdadeiro trabalho e experiência a sério foi na antiga Feira Popular de
Lisboa, na casa assombrada Passagem do
Terror, onde se viu obrigado de um dia para o outro a actuar com o risco da
acção/reacção uma vez que tinha de lidar com um público “exigente e mal
comportado” no bom sentido – era público real, sincero, sem rodeios e, ou
gostava ou não gostava e reagia mediante o que sentia – tal como as crianças.
Tinha portanto, o desafio de os “agarrar” a todo o instante e isso foi uma
enorme escola práctica.
Mais tarde foi estudar para uma
Escola em Nova Iorque porque sentia que cá em Portugal estava um pouco limitado
e decidiu alargar os seus próprios horizontes. Depois de ouvir um dos seus
exemplos experienciados como formas de aprendizagem, eu própria devo ter ficado
com um sorriso estranho congelado na face – recordo-me de, por momentos, deixar
de o ouvir e ter pensado: “era exactamente aí que eu deveria ter estudado
também…e teria usado todas as salas!”
Passo a explicar o que o Ivo
partilhou – pode existir por exemplo uma única sala que está dividida em quatro
– num lado estão alunos sentados normalmente em carteiras; noutro estão alunos
sentados todos tortos e descontraídos - tipo lounge; numa outra divisão os
alunos que trabalham melhor em grupo e numa outra ainda, aqueles que só conseguem
desenvolver o processo criativo de forma isolada. Na verdade, todos sabemos que
cada pessoa tem uma personalidade e comportamento muito diferente e pessoal,
com uma vivência muito própria e isso deveria de ser sempre respeitado em
qualquer lugar e em qualquer cultura sem danos de qualquer natureza para quem
quer que fosse.
Sei que em algumas escolas se
fazem experiências idênticas e talvez estejamos no bom caminho porque desde
cedo já se dão algumas dessas liberdades às nossas crianças. Seria muito bom
que todas elas se transformassem em “adultos bonitos”, bem educados, bem
humorados e capazes de também eles saberem rir dos seus próprios planos que
possam sair furados… ou não! Acima de tudo, sejam capazes de ser pessoas
realizadas e se possível felizes, estejam eles em
modo On ou em
modo Off.
Voltando a ti Ivo, muito obrigado
por seres o Actor que és e também por nos levares com tanto mérito, brilho e
qualidade para lá da linha que delimita o nosso País.
(E agora conta lá, aqui para nós,
que ninguém nos vê nem ouve… aproveitaste a oportunidade e passaste pelas
divisões todas da dita sala da Escola de Nova Iorque, não passaste?! Diz lá a
verdade!)
[e os peixinhos gigantes continuam a nadar na parede lá atrás... repararam?!]
23 de Dezembro é o dia do seu aniversário - raramente esqueço por também ser um dia importante para mim por outras circunstâncias especiais. Há anos em que lhe dou os Parabéns, noutros esqueço-me por completo porque o tempo me ganha quase todas as corridas.
De qualquer forma, em datas festivas importantes das vossas vidas, não se esqueçam de brindar com "Refrigerantes e Canções de Amor" (argumento de Nuno Markl, realização de Luís Galvão Teles, interpretação de Ivo Canelas, Lúcia Moniz, Victória Guerra, Gregório Duvivier, João Tempera, Jorge Palma, Sérgio Godinho, Ruy de Carvalho, Marco Delgado e André Nunes).
Bem que um pouco de essência de refrigerante e amor de bom tom podem realizar verdadeiras obras de Arte.
17.07.2016
Alda Silvestre
[Esta entrevista não foi escrita ao abrigo do novo Acordo
Ortográfico por minha deliberada opção, porque não me apetecia descartar o
actual inútil “c” da palavra “Actor” por dois motivos – o primeiro é porque
acho mesmo a palavra muito mais bonita e “maior” com o “c”, o segundo motivo é
apenas porque quando conheci o Ivo ele ainda era um “Actor” e não um “Ator”.
Por conseguinte todo o restante texto teria de ser escrito também tal como eu
aprendi na escola primária e na 4ª.Classe.]
(Obviamente recebi todas as autorizações "ministeriais"... e principalmente a do Ivo para publicar este post)
* * *
Alda's Translation arriving soon. Loading for a while... a long while! :-)